31 de outubro de 2024 - por Raul Sena (Investidor Sardinha)
Turnaround é um termo que desperta curiosidade entre muitos investidores. Mas afinal, o que ele significa? No mercado financeiro, ‘turnaround’ ocorre quando uma empresa que entrou na bolsa enfrenta dificuldades e entra em recuperação judicial, precisando passar por um processo intenso de reestruturação para superar a crise financeira. Nem todas as empresas conseguem fazer isso, mas algumas, após reestruturações bem-sucedidas, conseguem retomar sua saúde financeira.
Alguns investidores especializados procuram essas empresas em dificuldades como uma forma de investimento, visando ganhos expressivos caso elas se recuperem. No entanto, é uma atividade extremamente arriscada, recomendada apenas para quem tem experiência e entende os riscos envolvidos. Embora possa ser lucrativa, ela não é indicada para investidores comuns.
Para ilustrar melhor, vou contar sobre o caso da Bombril, uma das empresas brasileiras que está passando por um processo de turnaround.
Caso da Bombril
A Bombril atualmente possui um valor de mercado em torno de R$ 255 milhões e atua no segmento de produtos de uso pessoal e limpeza. Porém, ao analisar os números, o cenário atual apresenta desafios consideráveis.
A empresa não mostra lucros consistentes, a dívida líquida está em patamares desfavoráveis e, além disso, a Bombril não possui tag along. Esse mecanismo é uma proteção importante para investidores minoritários, pois garante que, caso o controlador decida vender suas ações, os acionistas possam receber o mesmo valor pago por ação ao controlador. Mas, afinal, como a Bombril chegou a essa situação?
História da Bombril
A Bombril foi fundada em 1948 por Roberto Sampaio Ferreira, que teve a ideia de abrir o negócio ao receber uma máquina de extração de palhas de aço como pagamento de uma dívida. Na época, as panelas de alumínio estavam se popularizando no Brasil, e as esponjas de aço começaram a se mostrar indispensáveis na limpeza desse novo material. Assim, surgiu a famosa esponja de aço Bombril, que se tornaria conhecida pelas “1001 utilidades”, um slogan que acompanhou a marca ao longo de décadas.
A empresa expandiu rapidamente sua linha de produtos, passando a fabricar uma variedade de produtos de limpeza e ganhando ainda mais reconhecimento no mercado. Na época de seu auge, a Bombril também se destacou por campanhas publicitárias memoráveis e icônicas, que ajudaram a consolidar a marca na mente dos consumidores.
Porém, em 1981, Roberto Sampaio Ferreira faleceu, e seus filhos assumiram a empresa. Esse período de transição não foi tranquilo: um conflito interno entre os irmãos levou Ronaldo Sampaio Ferreira a vender suas ações para o empresário italiano Sérgio Cragnotti, que enfrentava dificuldades financeiras com outras empresas de sua propriedade.
O início dos problemas
A venda deu início a uma disputa societária marcada por acusações de irregularidades e fraudes. Sérgio Cragnotti foi multado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e enfrentou problemas legais devido à inadimplência com as dívidas assumidas na transação. Com a falta de pagamentos e as dificuldades financeiras, a Bombril acabou entrando em administração judicial, o que significa que a empresa passou a ser gerida pelo governo para tentar estabilizar suas operações.
Porém, essa intervenção trouxe à tona indícios de corrupção, que mais tarde se mostraram verdadeiros. Os administradores judiciais, em vez de zelarem pela recuperação da empresa, acabaram envolvidos em esquemas de favorecimento, firmando contratos com parentes e aproveitando-se dos recursos da Bombril para enriquecer ilicitamente, agravando ainda mais a situação financeira da companhia
Problemas de produção e distribuição
Durante esse período de crise, a Bombril enfrentou sérios problemas de produção e distribuição. Embora fosse uma marca bem conhecida nacionalmente, os produtos da Bombril estavam escassos nas prateleiras dos supermercados. Esse período de turbulência também marcou o início de uma grande dívida para a empresa.
Em 2005, Ronaldo Sampaio reassumiu a presidência e implementou uma reestruturação profunda: demitiu funcionários, cortou custos e vendeu marcas consideradas não essenciais. O objetivo era levantar capital e estabilizar a empresa. A Bombril também tentou diversificar seus produtos, inclusive investindo em cosméticos, mas essa estratégia não teve o retorno esperado. Para seguir com o plano de recuperação, a empresa contratou consultorias especializadas em reestruturação e auditoria, o que contribuiu para sua recuperação gradual.
Somente em 2022 a Bombril começou a demonstrar sinais sólidos de recuperação, com aumento na receita bruta e uma significativa redução da dívida. Atualmente, a empresa é lucrativa, registrando nos últimos 12 meses uma receita líquida de R$ 1,474 bilhão, um EBIT de R$ 215 milhões e um lucro líquido de R$ 107 milhões — um desempenho considerável para uma empresa que recentemente estava em situação de endividamento crítico.
Apesar dessa recuperação, a Bombril ainda é considerada um caso de turnaround devido ao seu histórico instável e à constante necessidade de ajustes operacionais e financeiros para assegurar sua estabilidade no longo prazo. O risco permanece, e a empresa ainda precisa demonstrar resiliência para consolidar sua posição e garantir que a reestruturação atual tenha resultados duradouros.
O que impede a Bombril de sair do turnaround?
Apesar da situação financeira da Bombril ter melhorado, a empresa ainda enfrenta uma dívida tributária superior a R$ 5 bilhões, contraída durante o período em que esteve sob administração judicial e nas mãos do empresário italiano. Atualmente, essa dívida está em discussão e a Bombril tem a possibilidade de negociar esses débitos, considerando que o problema surgiu na época da gestão pública.
Com um lucro anual de R$ 107 milhões, seria praticamente inviável para a empresa quitar esse valor. A dívida é maior que o valor de mercado da empresa, o que explica porque a Bombril continua sendo considerada um caso de turnaround. Ainda assim, não acredito que a empresa vá à falência por causa desse débito — o cenário seria extremo. No entanto, mesmo com os sinais de recuperação, continuo vendo a empresa como uma opção arriscada, especialmente pela ausência de tag along, o que agrava o risco para os acionistas, dada a situação atual.
Quando faz sentido investir em empresas em recuperação?
Vamos imaginar que uma empresa apresentasse os mesmos números que a Bombril, mas tivesse um tag along diferente de zero. Nesse caso, poderia ser uma opção mais interessante para investidores mais experientes. Um investidor poderia destinar entre 0,5% e 1% da sua carteira a uma empresa desse tipo. Se tudo der certo, esse investimento poderia multiplicar em 10 ou até 20 vezes ao longo do tempo. E, se não der certo, a perda seria relativamente pequena.
No entanto, essa não é a situação da Bombril, que possui um tag along zerado, o que torna o cenário menos atrativo. Portanto, não recomendo esse tipo de investimento para iniciantes ou para aqueles que são conservadores, já que as chances de um resultado negativo são bastante altas.
Se você deseja saber mais detalhes sobre a história da Bombril e entender melhor os desafios que a empresa enfrentou, não deixe de assistir ao vídeo completo!
E se você quer aprender a investir em boas empresas e construir um patrimônio cada vez maior, conheça a
AUVP, nossa escola de investimentos. Faça a sua análise de perfil e se você receber aprovação, além de utilizar um sistema inteligente para a gestão de seus ativos, você vai aprender a investir no Brasil e no mundo inteiro.
E para ficar por dentro das principais informações do mercado financeiro, acompanhe os conteúdos do canal @investidorsardinhae do perfil @oraulsenano Instagram.