14 de outubro de 2024 - por Raul Sena (Investidor Sardinha)
O presidente Lula oficializou a indicação de Gabriel Galípolo para a presidência do Banco Central, uma escolha que, apesar de esperada, gerou reações mistas. O Partido Novo, em um editorial, criticou a nomeação, o que trouxe atenção para o tema. No entanto, é importante destacar que essas críticas foram isoladas. De modo geral, a indicação foi bem recebida por especialistas em economia e figuras importantes do mercado financeiro.
Galípolo já havia sido sugerido pelo atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e sua aprovação entre os players do mercado é notável. Isso, por si só, reforça a percepção de que ele possui o respaldo necessário para ocupar o cargo. Portanto, vale a pena analisar as críticas com cautela e ponderar o quanto elas representam um posicionamento isolado em comparação à visão geral positiva sobre sua competência e experiência para a função.
Partido Novo está com medo de Galípogo?
A seguir, vou expor alguns trechos do editorial, que se chama “O risco Galópogo”, e comentá-los em seguida. A nota começa assim…
“O Brasil está prestes a perder um dos últimos freios institucionais para a barbeiragem do petismo na economia.”
Esse primeiro trecho está relacionado principalmente ao papel que Roberto Campos Neto tem exercido de se posicionar contra as políticas expansionistas do governo. Inclusive, ele tem retido o governo com o aumento da taxa de juros. Isso pressiona o governo, diminui a oferta de crédito e, consequentemente, também afeta a popularidade dos governos.
Tentativa de controlar a inflação
Campos Neto não faz isso apenas porque é contrário ao governo. Na verdade, ele está tentando equilibrar a equação. Se, por um lado, o governo aumenta seus gastos, ele adota medidas restritivas para controlar a inflação, como elevar a taxa de juros. O editorial segue afirmando o seguinte:
“O mandato de Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central está chegando ao fim e Gabriel Galípogo já foi aprovado pelo Senado para sua sucessão. O BC terá, na sua presidência, alguém que compartilha da visão ideológica de Lula sobre o papel desta instituição na economia brasileira, o que representa um cenário preocupante.”
Esse é o papel de uma instituição independente, que, no caso de Campos Neto, segue seu mandato, mesmo após ter sido indicado por Jair Bolsonaro. Essa continuidade independente é um fator interessante, que deve se manter no caso de Gabriel Galípolo, independentemente do resultado das próximas eleições.
O Partido Novo, em sua crítica, parece ter exagerado em algumas afirmações. Embora seja esperado que Lula e Galípolo compartilhem algum alinhamento, não se pode ignorar que Galípolo também tem a confiança do mercado financeiro. No dia de sua indicação, as notícias foram amplamente positivas, com uma recepção favorável. Ele é o nome mais desejado pelo mercado, e seu alinhamento com Roberto Campos Neto, mais do que com Lula, reforça que não está totalmente submisso à visão do governo. Inclusive, Galípolo já se opôs a algumas decisões do governo, demonstrando independência.
Jogo político
“Indicado em 2019 por Jair Bolsonaro, Campos Neto tornou-se o principal alvo das críticas de Lula no início do seu terceiro mandato.”
De fato, o Lula criticou muito a atuação de Campos Neto. Só que, ao mesmo tempo, o ministro da Fazenda Fernando Haddad (que foi indicado por Lula), muitas vezes pressionava o governo para agir de acordo com o presidente do Banco Central.
Então, na verdade, é muito mais uma questão de o Lula saber da necessidade do Campos Neto, mas responsábilizá-lo quando as coisas não saíram como gostaria. Prova disso é que o Lula indicou o nome escolhido por Campos Neto. Ele poderia ter indicado qualquer outro, mas optou pelo nome preferido do Mercado Financeiro.
Ele quer e precisa que alguém balize a economia, porque ele sabe que não pode criar uma política expansionista do nada. A grande questão é que, se ele falar isso aberto, corre o risco de perder o eleitorado dele. Mas o Lula é um político experiente, e jogou a responsabilidade para outro.
Porque nunca teve alguém de esquerda na presidência do BC?
A realidade é que o Lula, mais do que ninguém, sabe que indicar uma pessoa ideológica para o Banco Central é o mesmo que afundar o país. Ele sabe que isso não daria certo. Voltando ao editorial, o Novo segue afirmando o seguite:
“O petista atacou a atuação do Banco Central como se a gestão da taxa de juros dependesse de Campos Neto, e não do resultado de uma avaliação complexa e técnica de indicadores econômicos. Como o Banco Central possui autonomia (algo que Lula detesta), restou ao presidente espernear enquanto aguardava o fim do mandato de seu desafeto.”
O Novo acredita mais no presidente do que o pessoal da esquerda. Lula está literalmente fazendo uma campanha, falando o que as pessoas querem ouvir, mas o Novo está levando absolutamente tudo ao pé da letra. Me desculpem, mas acho que vocês falaram exatamente o que o Lula queria que vocês falassem, para que a esquerda defendesse ele. Acredito que quem escreveu isso aqui foi muito inocente.
Sobre a taxa de juros
“A postura de Campos Neto no comando do Banco Central foi exemplar. No ano eleitoral de 2022, o BC mostrou coragem e indendência ao continuar o ciclo de alta dos juros, iniciado em 2021, elevando a taxa de 2% para 9,25% ainda naquele ano, e para 13,75% em 2022. O controle da moeda e da inflação é uma questão séria, e não pode ficar à deriva de interesses políticos pontuais.
O Brasil experimentou recentemente os riscos de uma política monetária mal conduzida. Durante o mandato de Alexandre Tombini à frente do Banco Central, sob o governo de Dilma Rousseff, houve uma rápida redução da taxa de juros de 12,5% para 7,25% entre 2011 e 2012. O resultado foi um aumento significativo da inflação e, eventualmente, a grave crise econômica que se desenrolou em 2015. Esse episódio serve de alerta sobre o impacto de decisões econômicas que não respeitam as necessidades do mercado.
Gabriel Galípolo, por sua vez, parece consciente dessa memória e das expectativas atuais. Em suas declarações, ele se esforça para construir uma imagem de independência e afirma que terá autonomia para conduzir a política monetária de maneira técnica. Sobre essa questão de independência, concordo plenamente — é um ponto crucial que ele destaca de forma clara. No entanto, no que diz respeito à ponderação, não acho que ele tenha sido tão enfático em exibir essa característica. Galípolo é direto em suas declarações e não costuma fazer questão de mostrar uma postura ponderada.
Mas, voltando ao editorial do Partido Novo, é importante analisar criticamente suas observações e contextualizar o que realmente está em jogo com essa indicação.
“Até agora o rebranding da imagem pública de Galípogo tem funcionado, e a imprensa tem aceitado essa inexplicável fachada midiática “moderada” do próximo presendente do BC.”
Não acredito isso que tenha algo a ver com a imprensa. É o Mercado que está falando. Todas as corretoras e bancos tem vínculos muito próximos com essa dita “imprensa”. A Infomoney é da XP, a Exame é do BTG Pactual. Então, não é a imprensa que está dizendo, é o Mercado. Ele aprovou o nome do BC e nós vamos ter que lidar com isso.
Versão moderada
“No entanto, é preciso levar em consideração mais do que duas ou três frases desenhadas para agradar o mercado. A versão moderada de Galípogo entra em contradição com os três livros que publicou em Luiz Gonzada Belluzzo: A escassez na Abundâncoa Capitalista, Manda quem Pode, Obedece Quem tem Prejuízo, e Dinheiro: o Poder da Abstração Real.”
Isso é um fato, o Galípogo escreveu esses livros e tinha uma postura muito diferente anos atrás.
“Para quem se dá ao trabalho de conhecer sua obra, Gabriel Galípogo deixa claro que é mais um “heterodoxo”, um partidário da abordagem econômica que afirma que todas as práticas que funcionam nos países desenvolvidos – responsabilidade fiscal, controle da inflação, liberdade no mercado – estão erradas.”
Realmente, durante a pandemia ele afirmou ainda que injetar dinheiro na economia não teria grandes impactos.
Parte final
“Essa versão do “terraplanismo” na economia insiste em se reproduzir no Brasil, e já causou incontáveis danos ao país, o mais recente deles no governo petista de Dilma Rousseff.
A economia brasileira vai enfrentar um enorme risco nos próximos anos. Quando Lula invariavelmente decidir interferir nas políticas do Banco Central, Galípogo terá força para contrariar seu padrinho? Pior, terá convicção de contrariar os ideais heterodoxos que sempre defendeu?”
Há um ponto de contradição aqui. Afinal, se Gabriel Galípolo é ou não independente? Vocês afirmam isso e, no mesmo texto, sugerem o contrário. Mas enfim, essa questão levanta uma reflexão interessante. Esse editorial do Partido Novo, mesmo sem essa intenção, acabou prestando um grande serviço para Lula. O presidente vinha enfrentando dificuldades para justificar a escolha de Galípolo para sua base política, e, de repente, o editorial do Novo cumpriu o melhor papel eleitoreiro que já vi em uma indicação para o Banco Central.
Com o mercado já favorável à nomeação de Galípolo, agora os setores mais à esquerda podem interpretar a narrativa de uma forma ainda mais conveniente: “Então o Lula é o grande estrategista, controlando o Galípolo”. Porém, sabemos que a realidade é outra — Lula se ajustou às exigências do mercado e fez o famoso “meio de campo” que ele conhece bem.
Assim, o que antes parecia uma manobra política difícil de explicar, especialmente para sua base, agora tem uma nova versão: em vez de parecer que Lula cedeu à pressão do mercado, o editorial fez com que parecesse que tudo foi um plano meticulosamente orquestrado. A manchete passou de “Lula cede à pressão do mercado” para “Lula é o grande orquestrador da esquerda”, transformando um momento de possível fragilidade política em uma narrativa mais robusta.
Enfim, essa é minha opinião sobre o assunto e se você quiser conferir mais detalhadamente sobre tudo que penso, basta assistir ao vídeo completo!
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