1 de setembro de 2020 - por Jaíne Jehniffer
Apesar de estar entre um dos maiores mercados da indústria automotiva do mundo, o Brasil, atualmente, não conta com montadoras que sejam 100% nacionais. Na época de Gurgel, isso também não era diferente e o seu maior sonho era ter uma empresa de veículos totalmente brasileira.
Sendo assim, Gurgel dedicou toda a sua vida a realizar o sonho do carro brasileiro. Depois de muito trabalho e dedicação, ele conseguiu. Lançou, então, o BR-800, o primeiro carro completamente brasileiro. No entanto, devido a algumas alterações governamentais que afetaram diretamente a empresa de Gurgel, ele não pode ir em frente.
O empresário morreu em 2009, aos 83 anos de idade, de Alzheimer, sem o reconhecimento nacional que merecia pelo seu trabalho.
A vida de Gurgel
João Augusto Conrado do Amaral Gurgel nasceu em uma família de classe média, em 1926, na cidade de Franca. Aos 18 anos, Gurgel entrou na escola politécnica de engenharia de São Paulo. Quando tinha 23 anos, e estava se formando em Engenharia, apresentou para o professor orientador do seu trabalho de graduação, o projeto de um carro de dois cilindros batizado de Tião.
O professor, então, respondeu que carro não se fabrica, se compra. Mas Gurgel não acreditava nisso e confiava em seu sonho de produzir carros em território nacional. Dessa forma, como trabalho de conclusão do curso, Gurgel apresentou um guindaste.
Após se formar, Gurgel foi para os Estados Unidos fazer pós-graduação. Nesse período, ele trabalhou na fábrica da General Motors, como projetista. Ao voltar para o Brasil, João Conrado abriu a Moplast Moldagem de Plásticos com a intenção de contribuir com a cadeia de autopeças nacionais. Nesse período, ele desenvolveu diversos projetos, sobretudo com carrocerias de fibra de vidro.
Depois de realizar alguns projetos, Gurgel estava pronto para realizar seu sonho de fabricar carros totalmente nacionais. O empresário então pegou todo o dinheiro que poupou durante os anos e com a ajuda de alguns investidores, conseguiu abrir a sua empresa que inicialmente fabricava karts e carros para crianças.
João Augusto Conrado do Amaral Gurgel faleceu em 2009, depois de muitos anos com Alzheimer. Ele foi o primeiro a construir um carro totalmente brasileiro, um homem de visão, com projetos a frente da sua época. Em 2004, o registro da marca Gurgel, junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), expirou e foi comprada por outra pessoa.
Gurgel Motores
Em 1969, foi fundada a Gurgel Motores com o objetivo de fazer automóveis totalmente brasileiros. Dessa maneira, seu primeiro carro foi chamado de Ipanema. O Ipanema tinha carroceria de plástico com fibra de vidro, capota de lona e motor da Volkswagen.
Um pouco depois, em 1973, foi lançado o Xavante XT, posteriormente nominado X-12 e, por fim, chamado de Tocantins. Um dos diferenciais desse carro era o chassi, feito de uma mistura de plástico e aço chamado de plasteel. Já a carroceria era feita de plástico e fibra de vidro.
Para evitar a baixa aderência das rodas, Gurgel inventou o sistema Selectraction. Em síntese, esse sistema funcionava através de alavancas de freio de mão, no qual uma das rodas de tração era bloqueada e, consequentemente, a força era transferida para outra roda com mais aderência.
Carro elétrico
Em 1975, a empresa foi transferida de São Paulo para Rio Claro, já que agora ela tinha expandido e precisava de um terreno maior. Nessa mesma época, Gurgel começou a pensar em um carro elétrico. E, em 1979, a empresa participou de um dos eventos mais importante do mundo, o Salão de Genebra.
No Salão de Genebra foi exposto toda a linha de produtos da Gurgel. Sendo que, no mesmo ano foi lançada a picape cabine dupla X-15 e a picape simples X-20. Como no período as pessoas estavam a favor do uso do álcool, João Conrado acatou o desejo dos clientes e lançou versões movidas a álcool.
O fato de pensar em um carro elétrico mostra o quanto Gurgel pensava à frente da sua época. Até hoje diversas empresas estudam o desenvolvimento de um carro elétrico e naquela época Gurgel já planejava um carro elétrico totalmente brasileiro.
Gurgel lançou, em 1980, o E150 e pouco tempo depois, em 1981, o Itaipu E400 os primeiros carros elétricos da América Latina. O modelo Itaipu E-150 tinha um alto custo das baterias e autonomia reduzida. Desse modo, o modelo saiu rapidamente de linha, já que conseguiu clientes somente em concessionárias de energia.
Carros da Gurgel
Quando o mundo passava pela crise do petróleo, Gurgel focou no projeto dos carros elétricos, mas não abandonou completamente os carros de gasolina. O projeto Xavante foi lançado e pouco depois veio o X-12. O carro tinha partes da estrutura em plástico e era reforçado com fibra de vidro.
Essa composição de materiais fazia com que ele fosse leve e juntamente com a mecânica da Volkswagen, o carro foi um utilitário de sucesso. O mercado aceitou muito bem o Xavante-12 e o EB fez uma encomenda de um grande lote de carros. Ele chegou a equipar unidades de políticas militares depois de alguns anos.
A partir de 1976 houveram restrições à importação de veículos, logo a Gurgel teve um forte impulso nas vendas, já que tinha pouca concorrência. Anos depois foi lançado o Xavante X-12 TR, com garantia de 100.000km. Depois disso, a empresa se tornou a primeira a exportar veículos do Brasil e ganhou notoriedade no exterior.
O modelo inicial lembrava uma kombi, porém, em seguida, foi lançado a versão picape simples e dupla. Contudo, esses veículos não deram certo, pois tinham baixa autonomia e alto peso por causa das baterias.
Em 1984, Gurgel lançou o jipe Carajás, o primeiro com motor dianteiro e o maior utilitário brasileiro. No entanto, o câmbio ficava atrás, então a troca de marchas era demorada. Além dessa diferença, o carro tinha para-brisa e vidro traseiro igual e o banco dianteiro tinha ainda o diferencial de possuir três lugares.
A realização de um sonho
Finalmente, no dia 7 de setembro de 1987, Gurgel lançou seu tão sonhado carro totalmente nacional, o CENA – Carro Econômico Nacional. Como o nome era muito parecido com Senna, do piloto Ayrton Senna, a família não gostou e processou a empresa. Por fim, o carro teve seu nome alterado para BR-800.
Anteriormente os carros eram produzidos com alguma peça que não era brasileira. Porém, o BR-800 foi produzido com peças 100% nacionais. O lançamento no dia da independência foi uma referência à independência do consumidor brasileiro em relação às montadoras internacionais.
O carro custava US$ 7.000. A intenção de Gurgel é que ele custasse US$ 3.000. No entanto, mesmo com a ajuda do governo que reduziu o IPI de 25% para 5% o carro ainda custou muito mais do que o previsto. Mesmo assim, ele ainda era 30% mais barato do que os carros dos concorrentes.
O BR-800 foi fabricado de 1988 até 1991 e inicialmente só estava disponível para venda para quem adquirisse ações da empresa. Dessa maneira, cerca de 8 mil pessoas compraram. Depois disso, Gurgel lançou o BR-800 melhorado, batizado de Supermini.
Gurgel planejou outros carros que nunca foram postos na rua, como por exemplo, o projeto Delta, um carro popular com custo entre US$ 4.000 e US$ 5.000. Ele ria utilizar o motor Enertron e teria câmbio próprio. O objetivo era que o carro tivesse quatro lugares e passasse 550kg. Entretanto, esse carro nunca chegou a ser lançado.
A Gurgel Motores vendeu 40 mil carros durante os quase 25 anos em que ela funcionou. Durante esse período, a empresa chegou a exportar carros para vários países, como a Jamaica e o Panamá. Os carros sempre tinham nomes bem brasileiros, já que Gurgel era patriota e prezava pela indústria nacional.
O fim de uma era
Em 1994, a empresa faliu e fechou as portas definitivamente em 1996. Isso porque, alguns anos antes, o governo decidiu pela isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para os carros que possuíam motores abaixo de 999 cm3.
Essa atitude do governo foi motivada pela pressão das grandes empresas que se sentiam ameaçadas pela empresa Gurgel. Desse modo, as grandes empresas como Fiat, Chevrolet e Ford entraram com força no território brasileiro e foi demais para a empresa de Gurgel.
De 1991 para 1992 a produção da Gurgel caiu bastante devido à uma greve dos funcionários da Receita Federal, que atrasou a chegada de componentes da Argentina. Esse episódio fez com que as finanças da companhia fossem arruinadas.
Em 1993 a empresa pediu concordata e um ano depois o empresário João Conrado pediu um empréstimo de US$ 20 milhões para que a empresa fosse mantida, porém, o governo recusou o pedido e a falência da companhia foi decretada. Contudo, a empresa recorreu e manteve a produção até 1996.
Nesse período ela produziu 130 veículos e lançou a versão 1995 do Supermini, do Motomachine e do Carajás. Também foi nessa época que o conceito de motofour foi lançado, sendo que ele tinha somente um lugar.
Depois da Gurgel
Depois que fechou sua empresa, Gurgel passou a atuar como palestrante, onde falava sobre como usar o empreendedorismo para realizar sonhos. Entretanto, poucos anos depois, descobriu que tinha Alzheimer. Em 2009, Gurgel morreu sem nunca ter realmente o reconhecimento que mereceu por ser o primeiro a ter a coragem de criar carros 100% nacionais.
O registro da marca Gurgel no INPI expirou em 2003. Dessa forma, o empresário Paulo Emílio Freire Lemos pagou R$ 850 e passou a ser o novo dono dos direitos. É claro que a família de Gurgel não gostou e recorreu na justiça, mas ela perdeu.
Lemos tentou relançar o X-12, mas não deu certo. Ao invés disso, ele importou da China um triciclo com motor diesel, voltado para o uso rural. Atualmente a empresa com o nome Gurgel funciona somente como um importadora do triciclo diesel TA-01.
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Fontes: Jornal do carro, Uol, ABN, Quatro rodas e Notícias automotivas