13 de setembro de 2021 - por Raul Sena (Investidor Sardinha)
Um Gol sendo vendido a R$ 90 mil? O que está acontecendo com o Brasil? Há alguns meses eu vi um vídeo do Peter Jordan, do Nerds de Negócios, falando sobre o fim dos carros populares no Brasil.
No vídeo, ele fez algumas comparações entre o preço dos carros no Brasil e nos EUA, mostrando que a evolução tecnológica fez o preço dos carros subirem bastante. Por exemplo, vidros elétricos, air bags, ar condicionado, eram considerados itens de luxo e se tornaram padrão nos carros de entrada.
Essa, de fato, é uma das explicações para o aumento progressivo no preço dos carros nos últimos anos. Mas certamente este não é o único motivo. Do ponto de vista econômico, o que define o preço de um produto? Você já parou para pensar nisso?
Por que 1 kg de maçã nos EUA custa US$ 4,50 e no Brasil custa R$ 6,98? Com o dólar no preço de hoje, estamos falando de R$ 23,44 por 1kg de maçã em comparação com R$ 6,98 no Brasil. Podemos dizer que a maçã nos EUA é cara? Na verdade, ainda não.
A gente precisa ver agora o que significa US$ 4,50 para um americano e o que significa R$ 6,98 para um brasileiro. Isso porque, a gente tem salários e moedas diferentes. Por isso, é preciso analisar o poder de compra das duas realidades.
O salário mínimo de um norte-americano é de US$1.160 e de um brasileiro R$ 1.100. Sendo assim, um americano gasta em torno de 0,4% do seu salário para comprar 1kg de maçã e um brasileiro gasta cerca de 0,6% do seu salário para comprar 1kg de maçã. Dessa forma, podemos dizer que 1kg de maçã nos EUA é mais barato que no Brasil, ainda que nominalmente o preço seja absurdamente diferente.
Como o preço se forma?
Quando não existe interferência no preço de algum produto, vale a principal lei do mercado, chamada de lei da oferta e demanda ou Oferta x Procura. Essa lei foi elaborada pelo economista Adam Smith e pode ser representada pelo gráfico abaixo:
Analisando o gráfico é possível notar que a linha vermelha é a oferta e a linha azul é a demanda. Quando as duas linhas se cruzam, é estabelecido o ponto de equilíbrio. Vale destacar que a lei da oferta e demanda é válida somente para um mercado LIVRE.
Ou seja, onde existem diversos vendedores e compradores do mesmo produto, como é o mercado de maçãs e também de carros. Isso porque, se houver apenas um vendedor, ele pode colocar o preço que ele quiser nos produtos e a lei da oferta e demanda deixa de fazer sentido.
O que a lei da oferta e demanda diz:
Se existem mais pessoas vendendo um produto do que procurando por ele, o preço cai. Em contrapartida, se existem mais pessoas procurando por um produto do que pessoas vendendo, o preço tende a subir. Quando existe uma quantidade parecida de pessoas comprando e vendendo um produto, o preço se estabiliza e chamamos de ponto de equilíbrio.
Esse ponto de equilíbrio pode ser percebido facilmente por quem investe na bolsa de valores. Neste caso, existe uma quantidade específica de ações de uma empresa sendo ofertadas na bolsa e uma certa quantidade de pessoas interessadas em comprar essas ações.
Os investidores que querem comprar, vão enviando ordens com o preço que estão dispostos a pagar. Já os investidores que querem vender, enviam ordens informando o preço que pretendem receber. Quando a ordem do vendedor e do comprador possuem o mesmo valor, a negociação é efetuada.
Na prática, a lei da oferta e demanda funciona como uma formadora de preços. Imagine que você queira vender agora o iPhone 12. Na loja ele está custando R$ 8.549,10. Este celular tem esse preço, porque todos os dias, pessoas querem comprar iPhones.
Por isso, a Apple consegue vender esse aparelho para os lojistas com uma margem de lucro gigantesca. Para você ter uma ideia, a Apple lucrou US$ 23,63 bilhões com esses aparelhos apenas no segundo trimestre de 2020. Isso representa uma alta de 110% em comparação com o mesmo período de 2020.
Tendo como base a lei da oferta e demanda, se a procura por iPhones aumentou, mas a oferta de iPhones ainda não tinha subido, o que acontece com o preço dos iPhones? Ele aumentou. Ou seja, como a Apple percebeu que o mercado estava absorvendo os produtos mais rápido, ela subiu o preço dos iPhones.
Essa é uma simplificação que te mostra na prática como funciona a oferta e demanda no mercado. É claro que outras coisas também interferem nesse preço, tais como: custo de produção (Preço dos insumos, escassez deles, etc), os impostos e o nosso câmbio em relação à Apple, já que ela é uma empresa dolarizada e nós usamos o real.
Além disso, como o Real enfraqueceu em relação ao dólar, mesmo que ele mantivesse o mesmo preço em dólar, o preço teria subido por aqui.
Entendido, essa parte, agora vamos aos carros
Em 2020 nós tivemos uma pandemia que se iniciou em março. Fazendo uma pesquisa pela data específica em 2020, a gente encontra os resultados notícias sobre férias coletivas e fábricas fechadas. Isso ocorreu devido ao lockdown que foi utilizado como uma medida para evitar o aumento dos casos da Covid-19.
Nesse cenário, ocorreu uma desaceleração na fabricação de carros e a fabricação ficou interrompida por um período específico de tempo. Enquanto a fabricação diminuía houve uma expansão de 16,1% do mercado, o que totalizou 3.164 unidades vendidas em maio de 2020.
A fabricação tinha diminuído ao mesmo tempo em que as pessoas passaram a comprar mais carros. Sendo que o mês de maio de 2020 superou o número de vendas de abril do mesmo ano, com um aumento de 57,3%. Por fim, em junho foi registrado uma alta histórica de 132% na venda de carros.
Nesse cenário com mais pessoas querendo comprar e ao mesmo tempo em que ocorre uma redução da oferta, o que acontece segundo a lei da oferta e demanda é o aumento dos preços. Ou seja, mais pessoas queriam COMPRAR veículos e MENOS veículos estavam sendo fabricados, logo, os preços sobem.
Exemplo prático
Vamos supor que você tem uma loja de veículos com 10 veículos e uma fila de 200 pessoas lá fora querendo comprá-los. Você abre a loja, vende tudo e sobram 190 pessoas querendo carros. Você liga na fábrica e fala: Preciso de carros para vender. A fábrica te diz: olha, eu já negociei os carros que eu tinha e os próximos só ficam prontos em julho.
Nesse momento, você pode: ficar sem carros e deixar sua loja parada por falta de produtos ou ligar para alguém que tenha esses produtos. Sendo assim, você liga em um concorrente gigante e fala: Me vende 190 carros? Ele vai te dizer: Ok, mas não pelo preço de fábrica afinal, eu preciso colocar meu lucro em cima.
Você compra os carros com um adicional de 20%, agora você precisa repassar o preço para o seu cliente com 20% a mais e ainda o seu lucro, que antes era de 10%, como o mercado está aquecido, você coloca a 30% e consegue vender tudo.
Se mais pessoas chegam agora, o processo se repete, a fábrica aumenta o preço dela, o seu fornecedor também e o preço vai subindo até atingir o ponto de equilíbrio. Os preços de todos os produtos e serviços no mundo são definidos da mesma forma.
Enfim, esse aumento de preços continua até atingir um patamar muito alto. Neste caso, muitas pessoas não estarão mais dispostos a comprar, o que vai diminuir a demanda por carros, a oferta vai se regularizar e os preços vão chegar à um ponto de equilíbrio que será o novo preço dos carros.
Excesso de dinheiro no mercado
Além dos problemas relacionados à fabricação, nós temos um outro problema. Por conta da pandemia, os governos do mundo inteiro, aumentaram a emissão de moeda na economia. Quando os governos injetam mais dinheiro na economia, a população começa a ganhar mais dinheiro.
Como assim Raul, as pessoas não estavam desesperadas sem dinheiro? Exatamente. Mas elas receberam o Auxílio Emergencial, o que elas fazem com esse dinheiro? Cobrem suas emergências, gastando esse dinheiro no supermercado, por exemplo. Inclusive, muitas pessoas saíram da extrema pobreza por causa do auxílio:
É dinheiro novo entrando no mercado. Um dinheiro que não existia na vida real. Se agora as pessoas estavam com mais dinheiro, elas vão comprar mais, correto? Então aumentamos a DEMANDA artificialmente, com isso, a oferta que estava pronta para atender uma demanda específica, não vai ser suficiente.
Logo, os preços vão inflar, por isso chamamos esse efeito de INFLAÇÃO. Emissão de moeda causa um aumento do dinheiro na economia, é claro que as taxas de juros e outras coisas também, mas esse é um efeito imediato.
Mais pessoas com dinheiro, consumindo mais, faz as empresas lucrarem mais em um primeiro momento e os pequenos empreendedores ganham mais dinheiro e querem consumir. Nesse cenário os preços dos produtos de luxo também passaram por uma alta de preços.
Os carros estavam sendo vendidos e as fábricas paradas
Lembra que na economia tudo está interligado? A venda de smartphones subiu, né? Bom, nesse caso se a venda de iPhones subiu, eles tiveram que utilizar mais insumos, chips e no caso desses semicondutores e esse tipo de coisa, as empresas de smartphones conseguem pagar melhor por esses produtos que a indústria automobilística.
Nessa dinâmica, o setor automotivo perdeu a preferência para outros setores como celulares, monitores e TVs. Isso porque, para a indústria automotiva os semicondutores e derivados possuem um valor agregado menor do que dentro de celulares e outros eletrônicos.
Sendo assim, em tempos de escassez, as indústrias que pagam mais pela matéria-prima são priorizadas e a indústria automotiva passou para o segundo plano. Portanto, essas empresas ficaram sem conseguir comprar insumos para produzir os veículos.
Dessa forma, a Oferta x Demanda agiu de novo, aumentando o preço dos componentes eletrônicos e a indústria aquecida de smartphones por conta da pandemia absorveu os produtos. Em resumo, as fábricas não conseguem produzir mais carros porque faltam insumos, ao passo em que o mercado quer comprar carros.
O que resta?
Como reflexo do grande números de pessoas querendo comprar carros, houve não apenas o aumento nos preços dos carros novos, mas também os preços dos carros usados. Afinal de contas, se o preço do carro novo estava muito alto, foi natural que a demanda por carros usados aumentasse.
Desse modo, a venda de automóveis usados cresceu 63% no primeiro trimestre de 2021 em relação ao mesmo período de 2020. Todos esses efeitos culminaram em um fenômeno assustador. Carros populares, que não são mais populares. Por exemplo, o Gol está custando quase R$ 90 mil:
Sim, os carros populares chegaram a níveis de preços assustadores. Por exemplo, um trabalhador brasileiro precisaria trabalhar 81 meses seguidos, sem gastar absolutamente nada, para comprar um simples Gol.
São quase 7 anos de trabalho, sem gastar nenhum centavo para comprar um carro popular. É claro que as marcas mais fortes, conseguem aumentar mais o preço dos seus carros. O HB20, por exemplo, está mais em conta, algo em torno de 53 meses ou 4 anos de salário.
Bom aqui eu fiz um resumo para te ajudar a entender a formação de preços por meio da oferta e demanda no livre mercado. Lembrando que quando falamos de um país, precisamos lembrar dos custos de importação, impostos, entre outras inúmeras coisas que podem impactar o preço de um automóvel.
É o fim dos carros populares no Brasil?
Ao menos nesse momento sim, é o fim dos carros populares no Brasil. Há 10 anos atrás o Gol custava R$ 22.457 e o salário mínimo era R$ 510,00. Isso significa que um Gol custava 44 meses de salário ou 3 anos e meio:
Na minha opinião, a crise atual, puxou muito mais os preços do que a tecnologia em si, que não mudou fortemente nesses últimos anos. Acredito que em breve, podemos ver sim, uma produção de carros aumentando e quem sabe, o preço recuando um pouco.
Para entender mais sobre a lei da oferta e demanda e como isso impacta os preços dos carros, assista ao vídeo onde eu explico melhor sobre isso:
E aí, gostou de entender os motivos por trás das altas dos preços dos carros? Então aproveite para conferir as Consequências da inflação – Causas e possíveis soluções
Texto: Raul Sena
Imagem: AutoPapo, Inovflow, Carsughi, Auto papo e Bidu